CONSERVAÇÃO E RESTAURAÇÃO DE BENS CULTURAIS

29 junho 2011

Charque x doce de Manoel Magalhães- Pelotas/RS

                                           Acrílica s/ "Charque ao sol" By Manoel Magalhães
 Pelotas está mudando a olhos vistos. Um passeio pelo coração da cidade (Pça. Coronel Pedro Osório), graças ao Projeto Monumenta, programa de recuperação do patrimônio cultural urbano brasileiro, executado pelo Ministério da Cultura e financiado pelo BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento, antigos casarões que estavam fadados a desabarem, hoje voltam a encantar turistas e pelotenses.
 Isso não quer dizer, entretanto, que devamos fechar os olhos à realidade. Esses monumentos foram erguidos pelos barões do charque, utilizando-se mão escrava. Muito sangue e suor têm meio aos tijolos. Acaso apuremos os ouvidos, nos dias ventosos conseguimos ouvir o lamento das senzalas, que ficavam no porão das construções.
 O fausto da Pelotas antiga ainda se sobrepõe aos esforços que cidade faz para modernizar-se. Esses casarões, ícones da falida nobreza pelotense, mercê do trabalho de restauração, ganham fôlego nas ruas da cidade, levando-nos a inúmeras reflexões. Dentre essas, uma advém de antigo ditado, que se pode interpretar como sendo, quem sabe, superstição.
 Nossos pais e avós, diante de um saleiro virado, vendo o sal esparramado no chão, diziam referentemente: joguem açúcar em cima. Portanto, amigos, eis a questão. Quanto açúcar terá de ser jogado sobre a cidade para adoçar a quantidade de sal que, ao longo dos anos, foi jogado sobre a carne, processo de salinização, transformando-a em charque?
Não será pouco, evidentemente. Para os descrentes talvez isso nem seja possível, pois haja açúcar para adocicar o passado pelotense, cuja riqueza foi amealhada graças ao sal, gado, suor e sangue derramado pelos escravos.
 A Feira Nacional do Doce  (Fenadoce),  que ora se realiza no Centro de Eventos, por certo minimiza um pouco o carma da Princesa, cuja expressão é melancólica. Percebe-se que ano após ano o festejo ganha fôlego, levando o nome de Pelotas além de nossas fronteiras. Muitos, aliás, têm esperança de que o açúcar, assim como ocorrera com o sal no passado, transforme-se no produto que desenvolverá a cidade.
Outros tantos, porém, disso duvidam, não por serem descrentes, mas porque acreditam no antigo hábito da cidade dos barões de puxar o freio de mão quando solicitada a enfiar a mão na guaiaca e investir nela mesma. Caxias do Sul e Gramado, por exemplo, terras de empreendedores, transformaram-se em modelo de cidades, onde o passado perde força diante da energia do presente, correndo na direção de faustoso futuro.
 Evidentemente que privilegiar o conjunto arquitetônico pelotense, transformando-o num museu a céu aberto é inteligente. A Casa do Lago, recentemente inaugurada, funcionando como posto turístico demonstra vontade de acertar, dando informações preciosas aos turistas, e turismo incentivado significa lucro à rede hoteleira, aos restaurantes, alavancando a estima de Pelotas. Mas só isso não basta para colocar a cidade num patamar privilegiado.
Os pelotenses atentos – e turistas igualmente, não desmerecem o que está sendo feito, mas têm certeza de que a cidade, para chegar ao nível das cidades serranas, tem um longo caminho pela frente.
 É inegável o crescente empobrecimento de Pelotas considerando-se o número de sem-tetos que se vê pelas ruas, tendo nos calcanhares matilhas de cães não menos abandonados. O crescimento da atividade informal, igualmente, agiganta-se em razão da pouca oferta de emprego e, também, pela carência de qualificação profissional. Aos poucos os camelôs começam a tomar conta outra vez do Calçadão da Andrade Neves, enfeiando-o.
 Pelotas vive um bom momento, sim, mas uma chuva de açúcar sobre o sal que se acumulou no imaginário pelotense por anos a fio pouco adiantará se a mão que entrar na guaiaca sair vazia.
 Para que isso ocorra é imprescindível mudanças de paradigmas. Os “poderosos” da terra terão de aprender a olhar o entorno com generosidade, conferindo-lhe beleza urbanística, valorização do patrimônio histórico, e dotando a cidade de infraestrutura digna, arrancando-a em definitivo do passado. Passado que de quando em quando se maquia – sobretudo nos festejos - mas, como todos sabem a maquiagem dura pouco.
 Ano que vem Pelotas completa 200 anos. O que prevalecerá? O sal que os anos acumularam em nosso inconsciente ou o açúcar que, dia após dia, ganha importância na cidade, com pretensões de mudar nosso paradigma histórico? 

Manoel Magalhães

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